terça-feira, 24 de abril de 2007

wake up, number 37.


hoje eu vi os cacos, derramados bem na minha frente. olhei uma vez, depois outra. na mente a vontade já contaminada. juro que tentava tirar os olhos dali. abstrair-me no timbre que doía em meus ouvidos. you're making that face that i like and you're going in in for the kill kill, for the killer kiss kiss, for the kiss kiss. eu cantava e tirava os olhos de lá. mas alguma coisa puxava-me e quanto mais eu resistia, mais aqueles pedaços de vida transparente, faziam meus olhos brilharem. então, não resisti.


lentamente -pois sou mesmo a pessoa mais lenta deste mundo- puxei as pernas para perto de mim. puxei pelas calças, como se não conseguisse mexer as pernas. desamarrei o primeiro laço, o do pé esquerdo. fui folgando o tênis. mais e mais. após este movimento simples, já estava só de meia naquele pé. minha meia é branca com alguma coisa escrita em laranja. é daquelas meias pequenas, que vão até o tornozelo. repeti tudo no pé direito. laço, cadarço, meia. parei, por um instante, para observar meus pés assim, nus e cobertos ao mesmo tempo. achei até bonito, um bonito sonolento (meias sempre me trazem a imagem de cama - e sim, Tu estás lá). então, tirei-as. apareceram os dedos. tão alvos que o vermelho das unhas parecia estar em neon. mexi os dedos e senti cócegas que quase me fizeram sorrir. mas eu disse quase.


enfim, puxei a blusa para baixo. a minha blusa bege mais parece um disfarce de asas. apoiei as mãos no chão sujo, esmagando uma formiga. reparei, neste momento, que tinha escrito no dorso da mão esquerda 'uma desgraça, meu amor'. um dia, um dia tatuo esta frase. achei que aquelas palavras eram como uma trilha sonora. e ao pensar nisto, tirei os fones do ouvido. you think the world is ending right now. soou longe. fiz novamente força nas mãos enfadadas e levantei-me. olhei ao redor. a rua estava agitada, carros cantavam com suas vozes simétricas, telefones e seus pássaros polifônicos, pessoas e seu caminhar pobre.


já com os pés completamende despidos, andei para a rua. desci os degraus da pequena escada e sorri para mim mesma. o chão estava morno. aqui nunca é frio. fechei os olhos e pus-me a andar mais. foi aí que então que o senti. senti o primeiro pedaço de vidro. cheguei a pensar em recuar, mas não, não! a vontade de marcar o chão com pegadas vermelhas (amor) era maior. aí inspirei fundo e baixei o peso do corpo naquele exato ponto. entrou, entrou fundo, rompendo as camadas de pele. um pouco de mim já começava a molhar o chão. comecei a balançar o corpo. pra lá e pra cá. je t'aime, moi non plus. mãos na própria cintura. cabelos beijando o vento. e os pés, os pés não paravam. ah, eu doia gostoso. tudo do jeito que eu queria. as pessoas na rua chamando-me de louca e eu a dançar ali, com os vidros. um, dois, três. um litro de uma vez. o chão cobriu-se de um manto vermelho e eu começei a fraquejar. cambaleava, cambaleava mas não caia. até que tentei pular, ou fui puxada por algo. e, perdendo o equilíbrio, caí.


de boca no chão e achando que o sangue era gozo, comecei a rastejar. enquanto rastejava, feito uma míope sem seus óculos, vi, refletido num caco, o teu rosto. céus, eu comecei a escorrer mais ainda. não tinha forças para virar-me, não conseguia. e eu sentia que ia explodir. oh, mon amour. joguei meu resto de força para frente e os cabelos para trás. num esforço desumano, virei o pescoço. paralisei. era mesmo tu, lá, a olhar-me junto da multidão. riste e com dentes amarelos disseste 'eu não me queixo, eu não soube te amar'.



então, virou de costas e eu só pude observar o branco da tua blusa confundir-se com os faróis acesos.

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